Próximo Encontro do Ciclo: 07/10/2011 (Sexta-feira, 8:00 – 10:00)
SACI: UMA EXPERIÊNCIA AUTO-GESTIONÁRIA EM SAÚDE MENTAL
Gildásio Ferreira Braga, Carlos Eduardo Ferreira, Claudia Valéria Ribeiro, Didous Danilevivicz (Coletivo Casa do Saci)
Leiam o texto de Abertura do Ciclo:
ABERTURA DO I CICLO DE ENCONTROS DO NÚCLEO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, TRABALHO E GERAÇÃO DE RENDA DO CAPS AD BRASILÂNDIA: PROCESSOS ECONÔMICOS E ALTERIDADE
Valdir Pierote Silva[1]
Bom dia a todos. Antes de iniciar, gostaríamos de dedicar esse ciclo de encontros aos trabalhadores que cotidianamente lutam para sobreviver num mundo marcado pela competitividade, pela desigualdade, pela indiferença e pelos processos de exclusão. Gostaríamos de dedicar o ciclo a mãe ou ao pai de meia-idade desempregados há anos, depois de terem perdido os empregos durante a automação e reestruturação de suas empresas. Gostaríamos de dedicá-lo também ao jovem que durante anos dormiu apenas quatro horas por dia para poder custear seu estudo e que hoje, mesmo com um diploma, não consegue um emprego e vive sem perspectivas. Gostaríamos de dedicá-lo à população negra que, em razão do preconceito, é preterida a cada entrevista de emprego. Gostaríamos de dedicá-lo às pessoas com deficiência, com transtorno mental ou com dependência de substâncias psicoativas que, apesar das inúmeras qualidades e potencialidades, não conseguem se inserir ou se reinserir no mercado do trabalho. Enfim, gostaríamos de dedicar esse ciclo a todos os trabalhadores que, por algum tipo de diferença, tiveram suas relações de trabalho precarizadas ou que – nos termos do sociólogo Robert Castel[2] – foram submetidos a processos de desfiliação, isto é, a um alto nível de ruptura das redes sociais e dos vínculos profissionais.
O Núcleo de Economia Solidária, Trabalho e Geração de Renda (NESOL) do CAPS AD Brasilândia iniciou suas atividades em 24/04/2011 com o objetivo de possibilitar que os seus participantes pudessem ser inseridos ou reinseridos de modo solidário e/ou ativo no mundo do trabalho. Os encontros ocorrem semanalmente às sextas-feiras, com duração média de 1h30min. Caracterizada pela autogestão e baseada na equidade, solidariedade, democracia, descentralização e transparência, a iniciativa buscará realizar articulações com grupos, associações e instituições a fim de se envolver numa rede ampla. Serão propostas oficinas de formação em economia, em técnicas específicas, em gestão, em produção e em análise de mercado a partir das parcerias que forem efetivadas ao longo do processo.
Pragmaticamente, pensamos em trabalhar com duas etapas:
A primeira, que estamos vivenciando nesse momento, trata-se do período de formação do grupo. Estamos discutindo formas de inserção pelo trabalho, as trajetórias singulares dos usuários no mundo do trabalho, empreendimentos coletivos, trabalho em equipe, princípios da economia solidária, além de pensar nos desejos e demandas dos usuários no que se refere à questão do trabalho. Esse ciclo de encontros se inscreve nesse movimento de reflexão ecapacitação. Ainda nessa primeira etapa, visitaremos projetos solidários instituídos, além de feiras de troca e comércio. Também já estamos experimentando coletivamente a confecção de produtos, como salgados e chocolates.
A segunda etapa será quando o grupo já tiver estabelecidos os produtos e/ou serviços que poderá oferecer. Nesse momento, buscaremos participar de feiras e, conforme as escolhas dos usuários, talvez nos formalizar em uma associação ou cooperativa social. Poderemos também nós conectar a grupos autogeridos existentes anteriormente. Do ponto de vista terapêutico, procuraremos apoiar os usuários na gestão dos seus possíveis rendimentos, no planejamento de gastos e na economia de recursos.
O NESOL do CAPS AD Brasilândia do modo como atualmente se apresenta, no entanto, não tem futuro. Quer dizer, trabalharemos cotidianamente para que o grupo de pessoas que fazem o NESOL deixe de existir como um núcleo ligado apenas a este serviço de saúde mental. Trata-se de uma busca permanente pela ampliação, pela expansão, pela criação de conexões, agenciamentos, redes… Trata-se de transformar o NESOL do CAPS AD Brasilândia em algo que se constituirá no processo e essencialmente pelas mãos dos usuários, numa estreita relação com as inúmeras parceiras que pretendemos construir. Viraremos uma associação? Uma cooperativa social? Uma ONG? Vamos nos unir a outro grupo solidário? O NESOL se formará como uma incubadora de projetos de trabalho dentro do CAPS AD Brasilândia? Não tem como saber. Contudo, o que nos é muito claro e caro é a recusa em perpetuar em nosso serviço um espaço artificial de trabalho, um espaço protegido, despotencializado, distante dos contextos de vida e da comunidade. Não nos interessa criar arremedos do tratamento moral pineliano e apoiar práticas laborterápicas. Trabalho não é tratamento, é direito!
O que também nos move é a vontade em romper aprisionamentos identitários, o desejo em possibilitar que pessoas marcas por diagnósticos, doenças e pesados julgamentos morais possam experimentar novas formas de agir no mundo. Dessa vez, a partir de um lugar ativo de produção de objetos, de afectos, de relações e, sobre tudo, de produção de uma nova cultura.
Queremos construir coletivamente micro-emancipações, queremos potencializar os usuários em suas trajetórias coletivas e singulares, queremos afirmar nossos direitos de cidadania, queremos fazer redes intersetorias, queremos ultrapassar os muros do NESOL, do CAPS, da saúde, da assistência… Queremos ganhar o mundo!
Queremos muito.
Mais do que tudo, buscaremos inventar esse sonho compondo com as diferenças e acreditando que uma nova cultura e uma outra economia são possíveis.
CAPS AD Brasilândia, São Paulo, 16 de setembro de 2011
[1] Terapeuta Ocupacional do CAPS AD Brasilândia, membro do NESOL.
2] CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998.